Em declarações à Lusa, o coordenador do estudo, Pedro Nobre, apresentou os resultados do Questionário de Avaliação das Práticas e Experiências de Saúde Sexual (SHAPE), desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde em 2023. Este estudo, aplicado a 2010 participantes numa amostra representativa da população portuguesa, abrangeu variáveis socioeconómicas e demográficas de forma inclusiva, permitindo um retrato abrangente das vivências de saúde sexual no país.
Pedro Nobre, professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e líder do Grupo de Investigação em Sexualidade de Género, explica que o SHAPE foi desenhado para abrir caminho a um “Observatório de Saúde Sexual em Portugal.” Este observatório terá como objetivo monitorizar a evolução dos indicadores de saúde sexual e dos comportamentos da população, fornecendo bases sólidas para desenvolver políticas públicas que promovam a saúde e os direitos sexuais de forma equitativa.
Resultados Principais: Desafios e Satisfação Sexual
Uma das conclusões mais surpreendentes foi que 50% da população relatou insatisfação com a vida sexual, sendo que cerca de 20% indicou dificuldades sexuais que causam sofrimento significativo. Esta insatisfação, sublinha Pedro Nobre, “não está apenas ligada a problemas sexuais, mas também a experiências de sofrimento.” Estes dados apontam para a importância de explorar de forma mais profunda as causas do desconforto e de promover espaços de apoio para lidar com estas dificuldades.
O estudo SHAPE também revelou que questões como a identidade, os direitos sexuais, a biografia sexual, práticas sexuais, violência e discriminação sexual desempenham papéis essenciais nas vivências sexuais dos portugueses. Dos participantes, 93,4% identificaram-se como heterossexuais, 6,6% como lésbicas, gays ou bissexuais (LGB+) e 0,5% como não cisgénero. Contudo, cabe questionar: onde ficou o “T” da sigla LGBTQIA+? A baixa representatividade de identidades trans e não-binárias levanta a necessidade de uma amostra mais diversa para que as experiências de todos os géneros sejam devidamente representadas e compreendidas.
O Impacto da Discriminação e da Violência Sexual
Os desafios sexuais refletem-se também nas experiências de discriminação e violência. Entre as pessoas LGB+, 37,7% relatou já ter sido discriminada, com 40% desses casos a ocorrer no último ano. Mais preocupante ainda, 31% das pessoas LGB+ afirmaram ter sido discriminadas por profissionais de saúde, que deveriam ser uma fonte de apoio e acolhimento.
Esta situação pode ser atribuída, em parte, à falta de formação específica sobre saúde e sexualidade nos currículos de medicina em Portugal, onde o tema é abordado de forma muito breve. Apenas os profissionais que buscam especialização em sexologia recebem formação mais aprofundada nesta área. Esta lacuna sublinha a necessidade de uma educação sistemática e inclusiva em saúde sexual para todos os profissionais de saúde, capacitando-os a prestar um atendimento mais seguro e sensível às diversas necessidades da população.
Debate Público e Necessidade de Educação Sexual Sistémica
Na passada terça-feira, dia 22, a RTP organizou um debate em torno destes dados, com um painel especial para sentar o país no divã e discutir o tema sem tabus ou preconceitos. Contou com a participação de Pedro Nobre, Tânia Graça, Gabriela Moita, Júlio Isidro, Mafalda Cruz e Ana Luísa João, moderado por Carlos Daniel, e pode ser revisto no link RTP Play. Este debate destacou a importância de promover discussões públicas e abertas sobre o tema da saúde sexual.
A conclusão é clara: a educação sexual precisa de ser sistémica e acessível a todes como uma questão de cidadania. Esta educação deve estar ao alcance de jovens e adultos, assim como de profissionais de saúde, ser constantemente atualizada e basear-se em estudos como o SHAPE, que, para cumprir o seu potencial, devem tornar-se mais recorrentes e empenhados na busca por uma maior representatividade da diversidade de experiências e identidades.
Acede a alguns dos resultados aqui, na infografia do estudo.
Oh e btw,
A Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto está a procurar voluntários para um novo estudo sobre o orgasmo. O questionário, que dura entre 25 a 30 minutos, visa avaliar a experiência subjetiva de orgasmo em contextos de atividade sexual com parceiros e em masturbação. Todos os géneros e orientações sexuais são bem-vindes a participar. Para mais informações e para aceder ao questionário,clica aqui.