Fantasmas de Natal: Uma Conversa Sobre Familia

by | Dez 21, 2024

Querides leitores, chegámos a dezembro e, neste blog dedicado a conversas difíceis, não poderia deixar de abordar um dos temas mais difíceis de digerir desta época: a família.

O Natal tem este dom estranho de expor as diferentes facetas das relações familiares que, como o bolo-rei, definitivamente não agradam a todes.

Para alguns, é um motivo de celebração e orgulho, para outros, um toque bruto numa ferida ainda aberta, mas, para a maioria de nós, é um verdadeiro teste à paciência, ao afeto e ao esforço contínuo para encontrar equilíbrio entre as diferenças que nos afastam o resto do ano.

E, claro, o marketing não ajuda naaaada… Se não são as famílias perfeitas, são os gestos de amor grandiosos que fora das comédias românticas são raros de acontecer. Parece-me justo dizer que a imagem criada pela publicidade do tema só aumenta o abismo entre a fantasia idealizada e a realidade da nossa própria família, e apesar de isso ser uma ótima necessidade para promover vendas não há embrulho grande o suficiente para esconder a falta de proximidade que, muitas vezes, sentimos.

As divergências políticas, as diferenças geracionais, a pressão do digital e até o desconforto de quem se sente “menos familiar” por não ter filhes ou um parceires, tudo isso pesa. Mas talvez o real peso seja, aquele que referi a cima: a nossa tendência para evitar confrontos e desconfortos familiares ao longo do ano e ainda assim esperar por um Natal “normal”.

Talvez o “Natal normal” seja apenas um mito, como o do duende ou o leite bebido pelo Pai Natal. Uma noite não pode resolver tudo. Mas, como crianças teimosas que continuamos a ser, seguimos com o sonho daquele Natal que, nas nossas memórias, parecia perfeito.

E isso é errado?

Diria que está tudo bem em procurar satisfazer a nossa criança interior, porém talvez o erro esteja em esperar que seja a nossa família a voltar a fazê-lo e, está tudo bem com isso, afinal, além de família, somos todes pessoas.

 

Sobre Fantasmas

Ah, o Natal… um sonho febril sobre o que fomos, o que somos e as barreiras que criamos para lidar com o que ainda nos falta. No natal chega sempre a conta do que mudou e do que ainda falta mudar.

Ao longo da vida passamos por uma transição entre a visão idealizada da família, que tínhamos quando éramos crianças, e a perceção mais complexa que adquirimos na vida adulta.

Quando somos pequenos, o Natal, assim como outros momentos familiares, é uma ilusão protegida pela ingenuidade, onde as figuras dos pais e familiares têm quase um poder mítico. É uma visão de harmonia e união que, à medida que crescemos, começa a ser desafiada pelas contradições e dificuldades reais da convivência. Mas será que nessa altura era mesmo assim tão diferente?

Os meus natais eram sem dúvida melhores natais quando a minha mãe estava viva, quando os meus pais não estavam separados, quando uma boneca podia mudar a minha vida. Mas não creio que nessa altura o natal fosse bom para todos para além de mim e dos outros mais novos…

Aliás, saltando um pouco de época, eu lembro-me de observar as famílias dos meus colegas com uma mistura de admiração e inveja. Algo que sempre senti que não havia na minha era o tempo para tudo e todos: jantares, casamentos, jogos de futebol, celebrações com mais do que um ramo familiar reunido, criança por todo o lado e a alegria de quem estava feliz por fazer parte, ou pelo menos assim me parecia.

E eu recordo-me de pensar que toda essa harmonia parecia vir de uma fórmula secreta que eu sentia que a minha família não tinha, será que não a merecíamos? Seria por a minha mãe dormir de mais ou por o meu pai falar alto? Por não sermos todos do norte?

Enfim não me quero afastar muito do tema, mas o natal obriga-nos a recordar e com isto o que eu quero trazer à reflexão é que desde nova que aprendi a fingir que a minha família era uma família normal. Tinha medo que o facto de a minha família não ser tão família como a deles tornassem-me menos pessoa. Hoje eu sei que quase todas as famílias fingem.

A ideia de uma família “perfeita” pode, na verdade, ser uma armadilha.

Esperar que a nossa família atenda a todas as nossas expectativas, ou que sejamos capazes de ser aquilo que imaginávamos, pode ser uma das maiores fontes de sofrimento e afastamento emocional. Porque, na tentativa de corresponder ao que os outros esperam de nós, muitas vezes acabamos por nos afastar de quem realmente somos e queremos — e, por consequência, dos outros.

A verdade é que todos nós, em maior ou menor grau, carregamos a necessidade de fazer com que as nossas relações familiares façam sentido. Não apenas no Natal, mas ao longo de todo o ano, procuramos significado nos outros, e essa procura muitas vezes dói.

As expectativas familiares, embora pareçam ser um caminho para a aceitação, podem ser uma prisão emocional que nos impede de viver o que temos no momento presente.

 

Frame retirado de Casper’s Haunted Christmas <3

 

Abraços Invisíveis

Então é sobre abandonar as expectativas familiares e não necessariamente sobre abandonar a família.

Eu acho que hoje em dia é com muita leveza que se dá o conselho radical de “abandonar o barco”.

E, sim, para mim, isso é um conselho um tanto radical. A verdade é que a família importa. Somos produtos de uma sociedade que nos ensinou a valorizar esses laços. Cortá-los não é tão simples, e não acredito que deva ser romantizado, como muitas vezes é.

Sim, existem famílias disfuncionais e as redes de apoio devem ser um tema que não quero minimizar, mas quando falamos em famílias como eu disse a pouco estamos a falar sobre pessoas.

Há pessoas doentes, tanto dentro quanto fora dessa dinâmica. Existem pessoas que agem de forma tóxica, dentro e fora das famílias. Às vezes, precisamos assumir a responsabilidade pelo nosso próprio bem-estar, e isso pode significar afastar-nos de algumas pessoas — repito, de pessoas. O problema não está em fazer parte de uma família, mas nas dinâmicas que nela se criam.

Aceitar que nem todas as relações familiares são reparáveis é uma parte dolorosa, mas essencial do processo de crescimento. E, nesse processo, o luto aparece como algo mais amplo. Não se trata apenas da perda de uma pessoa, mas de muitas formas de luto, e nem todas elas são fatais. O luto por relações familiares que nos magoam ou não correspondem às nossas expectativas é uma das experiências mais difíceis, mas também uma oportunidade de transformação. E esse pode acontecer quando decidimos nos afastar por completo de uma pessoa ou da expectativa/ideia que criamos dela.

Um passo importante para abandonar as expectativas familiares é a de des-hierarquizar essa relação, de deixar de os ver como seres que nos devem a perfeição.

Famílias não são entidades sagradas nem reguladoras do que devemos ser. São apenas um conjunto de pessoas com histórias únicas, decisões que, de alguma forma, nos moldaram, e vidas que seguem a ritmos diferentes dos nossos. E assim, ao deixar de esperar mudanças rápidas ou totais na outra pessoa de um dia para o outro, e ao não impor o papel parental que desejamos ao outro, temos espaço para sermos nos a assumi-lo, e a fazer o que sentimos que não fizeram por nos (reparenting).

Tornarmo-nos mais o nosso principal cuidador e recai sobre nos a responsabilidade de nos amarmos como queremos, com isso vem algo lindo, a liberdade de escolher aquilo que é melhor para nos.

É que se há algo poderoso nas falhas familiares, é a capacidade de aprender com elas a fazer diferente do exemplo que tivemos. E não seremos os únicos a notar isso, com certeza os nossos pais fizeram diferente dos seus. Mas o ser humano evolui, e sempre vamos querer, e precisar de mais.

Quando a conversa do natal não te agradar tanto procura escapar mentalmente para esse processo de cura e sonha com a tua família, não como ela é, mas como poderia ser.

 

Em paz com o desconhecido

A cura e a transformação de uma família tem de ser um processo coletivo. Todos precisam estar dispostos a dar um passo em direção à mudança, mas no seu próprio ritmo.

A mudança começa sempre nos pequenos gestos: uma conversa honesta, um limite saudável ou a simples aceitação de que nem todas as feridas se curam de imediato. A transformação de uma família não acontece de um dia para o outro, mas sim a cada passo dado com empatia, respeito e, acima de tudo, intenção.

Então, enquanto desembrulhamos presentes e memórias, que tal também desembrulhar o peso das expectativas? Em vez de procurar a família ideal, podemos começar a construir conexões que realmente importam — começando por aquela que temos connosco mesmes.

Devíamos falar mais nisto, não só no natal, mas durante todo o ano.

Que tal deixar este tema fora da caixa das decorações do pinheiro e tratá-lo com a atenção que merece em 2025?

Feliz Natal Sexy 💋

 

PS: Muitas vezes, as dores e os conflitos familiares exigem mais do que podemos carregar sozinhes. Procurar apoio profissional, como o acompanhamento de uma terapeuta, pode ser essencial para te ajudar a processar essas questões de forma saudável. Não subestimes a importância de ter alguém ao teu lado para explorar as emoções e trabalhar as feridas que precisam de cura. As ferramentas da vida são preciosas, mas o apoio especializado pode ser o passo fundamental para a transformação que desejas.

 

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