Eu e as minhas amigas – 1 poema sobre intimidade contaminada

by | Abr 6, 2025

Eu e as minhas amigas

Eu e as minhas amigas gostamos de ter pessoas nuas a elogiar-nos quando estamos nuas.

Ter um segredo dos teus para, em troca, entregar um dos nossos:

“O” sexo.

E no fim, abraçamos como se finalmente nos tivéssemos visto.

Eu e as minhas amigas adoramos ter pessoas nuas a elogiar-nos quando estamos nuas.

É quando estamos todos mais despidos, entornamos a bebida e pisamos as cinzas.

Eu e as minhas amigas gostamos de ter pessoas nuas a fingir que sabem o que querem no nosso quarto, ou noutro lado,

de preferência, que tenham carta e carro.

amigas

Um recorte que escrevi numa altura em que ainda não tinha dates nem sexo sóbria.

Lembrei-me dele no domingo passado, enquanto ouvia o episódio do podcast Más Influências, com o André Mariño.

 

O episódio passava de fundo enquanto arrumava o quarto, até que uma frase me fez parar. Sentei-me em frente à televisão, absorvida.

A Bruna contava um quase-date: a pessoa em questão saltou o jantar e foi logo ao clássico “ver um filme cá em casa”. Algo que, na nossa consciência coletiva, já sabemos o que quer dizer — “queres f*der já?”. A questão da Bruna não era exatamente a falta de vontade. Ou talvez também fosse isso, em parte. Mas mais do que o desejo (ou a ausência dele), foi a ausência dos preliminares sociais — aqueles copos para amaciar a vergonha, o tempo para a insegurança se dissolver.

E foi aí que o André lançou a pergunta que me atravessou:

Mas vocês não conseguem ter sexo sóbrias?

Bruna de Magalhães respondeu algo como:

First base — um date com beijos,

Second — sexo bêbados,

Third — estarmos juntos sóbrios.

Eu preciso de alguma intimidade para me despir à frente de um homem.

Achei relatable.

Também me perguntei muitas vezes o que o André perguntou.

Agora, ao reler o que escrevi, e ao ouvir isto de longe, entendo melhor. A vergonha que disfarçávamos com cigarros, a solidão partilhada como se fosse um segredo sexy, e não o digo em tom de julgamento, para mim na altura, era o que dava para ser.

Penso também naquele gajo que me conheceu quando eu não sabia estar nua sem estar alterada. Penso que talvez hoje tivesse resultado. E penso que pode ter sido estranho para ele.

O álcool e as ganzas deixavam-me desinibida. Era mais fácil beijar, dançar, ter conversas profundas, dizer coisas malucas… Mas no dia seguinte vinha a vergonha, o arrependimento por não ter usado preservativo, o medo. Não era sempre assim. Mas foi assim demasiadas vezes, mais vezes do que aquelas que eu queria para mim, e eu culpava-me tanto por não cuidar de mim como eu queria. “Mas não era sempre assim!”

E quando escrevi este pedacinho, foi numa das vezes que não foi. Glamourizei: partilhei a experiência com outra amiga que tinha feito o mesmo.

Por dentro, estávamos podres — mas enquanto falávamos, tudo parecia fazer sentido. Éramos parte da mesma série de rockstars sexys.

É fodido, porque o problema destas muletas é que te fazem acreditar que te esqueceste de como andar sem elas…

Mas consegues.

E juro, juro que sabe bem melhor um date em que não precisas de coragem líquida ou em combustão para te olhares nos olhos, sem querer fugir, vomitar, ou cavar um buraco no dia seguinte. <3

amigas

Nota da autora: Apesar da poesia, da arte e do desejo sexual da mulher idealmente não precisarem de ser justificados, vivemos num mundo e num tempo em que esses desejos são constantemente violentados.

O consentimento continua a ser a única protecção socialmente reconhecida — e mesmo esse, tantas vezes, é distorcido ou usado contra nós.

Este texto não pretende, de forma alguma, insinuar que mulheres embriagadas querem sempre sexo ou o querem com qualquer pessoa.

Não devia ter de explicar, mas hoje sinto que tenho. É com tristeza, raiva e repulsa que assistimos, todos os dias, a notícias de violência e feminicídios — quase todas com penas suspensas.

A intimidade de que falo aqui é escolha. E não deve, nunca, ser confundida com disponibilidade automática ou um convite subentendido.

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