Brainrot do Envolvimento: Amar menos num tempo em que ter namorado é embarrassing …

by | Nov 17, 2025

brainrot do envolvimento

“Is having aIs having a boyfriend embarrassing now?”

Este foi o título do artigo da British Vogue que abalou a internet no mês passado e que, de certa forma, mexeu com a energia de toda a gente a quem ainda interessa o amor.

Para quem não acompanhou, Chanté Joseph discute a forma como as relações estão a ser representadas por mulheres online, observando que por várias razões hoje em dia postar um namorado já não é uma vontade generalizada que para muitas é até cringe já que na maioria das vezes podemos estar a assumir o nosso próximo inimigo .

Arrisco-me a dizer que este pode ter sido o título mais esperado por uma geração que cresceu entre divórcios, desilusões e aquela dúvida assombrosa: tentar ser a parceira perfeito para garantir um amor que dura ou aceitar se solteira como destino provável.

Se durante décadas fomos educadas com arquétipos mediáticos da “solteirona dos gatos”, da tia fixe que nunca assenta, da empresária tão ocupada que não tem espaço para o amor — mas que, secretamente, continuaria sempre à espera de ser salva por ele, hoje em dia podemos perceber que mais rapidamente seriam essas personagens a salvar o homem.

É aqui que importa fazer uma distinção que quase se perdeu no caos mediático: o que viralizou não foi o artigo — foi o título.

Porque, ironicamente, o texto de Chanté Joseph não é sobre o que esta por de trás da queda do romantismo**. O artigo fala de outra coisa: da forma como as mulheres são percebidas quando mostram que estão numa relação, a estética do namoro nas redes sociais e a sensação de que “postar o namorado” já não comunica aquilo que comunicava há dez anos.

Ou seja: o artigo é sobre o que parecemos, não sobre o que fazemos.

Mas o título — “Is having a boyfriend embarrassing now?” — tocou numa ferida muito mais funda. E a internet respondeu não ao artigo, mas ao imaginário que o título despertou. Foi esse, solto e fora de contexto, que funcionou como a última gota de água num assunto que tem chovido há anos: a crescente desilusão romântica, o cansaço emocional das mulheres e a sensação generalizada de que a dinâmica heterossexual está… com demasiados problemas.

Talvez por isso, na semana passada, a autora publicou um artigo sobre o próprio artigo — uma reflexão sobre as repercussões inesperadas. Nele, escreveu:

“Desde que o partilhei nas redes sociais, o TikTok que lancei para o universo às duas da manhã foi visto 5,7 milhões de vezes. Ganhei mais de 100 mil novos seguidores nas minhas plataformas praticamente da noite para o dia. Falei com meios de comunicação de todo o mundo.

A minha cara apareceu em todo o lado, o meu nome foi massacrado em múltiplos sotaques. Há pessoas que me param na rua para pedir fotos. Fui proclamada a voz das mulheres solteiras, uma Carrie Bradshaw wannabe, uma bruxa!

Até o Mayor de Nova Iorque, o meu mayor (eu vivo em West London), decidiu comentar… I couldn’t help but wonder: porque é que, de tudo o que já escrevi, foi este texto que provocou uma reação tão visceral e tão global? E o que é que isso diz sobre o estado atual do dating moderno?”

A resposta, claro:

Ele diz em voz alta o que tantas mulheres têm sentido sem saber nomear. Não é por acaso que tantas de nos desejamos ser lesbicas.

Chegámos ao brainrot do envolvimento

Estamos a presenciar a maior fome íntima dos últimos tempos: aquilo que parece o brainrot da sexualidade moderna.

É o efeito de nos apaixonarmos em universos que já não se alinham. Os algoritmos, mesmo quando parecem só funcionar no online, moldam profundamente a nossa experiência individual. É cada vez mais comum estarmos na mesma sala, física ou digital, com pessoas cujos valores, crenças e ideologias são radicalmente diferentes dos nossos, graças ao poder da algoritmização das tendências de comportamento. Isto e o ambiente político hostil que vivemos chocam o nosso coração. Tipo: como assim, eu gosto de ti e tu de mim, e tu puseste like na antifeminista?

Nos últimos anos, vimos uma divisão política clara entre jovens: mulheres entre os 18 e os 29 tendem a ser mais liberais, enquanto muitos homens da mesma faixa etária se inclinam para o conservadorismo. E é neste cenário já tenso que surge outro choque, menos visível, mas igualmente violento: o económico.

Em Portugal — e na maioria dos países — as mulheres continuam a trabalhar de graça durante semanas todos os anos. Em 2025, isso significa 64 dias de trabalho que não são pagos. Hoje, Dia Nacional da Igualdade Salarial, esta não é apenas uma estatística: é a prova de que a exaustão não é metáfora. Trabalhamos fora, cuidamos de quem amamos, mantemos casas e relações, e mesmo assim somos pagas muito menos do que devíamos. Como não estaríamos exaustas? E ainda por cima, há sempre queminsta que “é tudo mais fácil para nós”.

Não é à toa que este choque se sente no corpo. A exaustão económica, política e emocional transforma-nos em sistemas viventes em fusão com a tecnologia: atravessados por hormonas, cosméticos, algoritmos, redes sociais, pornografia, suplementos, drogas, vigilância e desejo. É o que Preciado, inspirado por Haraway, chama de “sistema tecnovivo” — uma fusão constante entre natureza e tecnologia que molda não só o que sentimos, mas também como nos relacionamos e chocamos com o mundo à nossa volta.

Ainda neste artigo, Joseph descreve a violência que o título causou:

“Deprimente, o artigo também desencadeou alguns abusos odiosos, a maioria vindos de homens que leram o título e aparentemente ficaram furiosos. Desejaram-me relacionamentos futuros abusivos, avisaram-me que eu morreria triste e sozinha, ou, em alguns casos, descreveram como me iriam assassinar.

Em certos momentos, tudo isto foi preocupante, mas rapidamente percebi que provavelmente viam o artigo como uma ameaça a um sistema que historicamente os favoreceu. Se ter um homem costumava ser o prémio supremo, e agora algumas mulheres estão a questionar se ainda é, bem… isso só podia ser desestabilizador.”

Brainrot aqui também: imaginem toda aquela massa de homens que diz que “já não há mulheres como antigamente”, que “as mulheres de hoje não se dão ao respeito”, descobrirem que elas nem querem ter nada a ver com eles, ahaha — ou seja, o menino pode nem sequer ter o seu troféu, porque o próprio troféu não lhe vê valor.

Desigualdades afetivas

Evidentemente, as mulheres estão a tornar-se cada vez mais vocais sobre a sua insatisfação no universo do dating e recusam-se a participar se a relação não lhes trouxer benefícios equivalentes aos que tradicionalmente favorecem os homens. Termos como boy sober, celibato voluntário, dating burnout ou shrecking já fazem parte do novo cenário.

Segundo dados do IBGE, no Brasil, o número de mulheres solteiras cresceu 32% na última década, e 61% dizem preferir ficar sozinhas a entrar numa relação cansativa. Estudos internacionais projetam que, até 2030, 45% das mulheres em idade ativa (25-44 anos) estarão solteiras — e apenas 35% das mulheres solteiras procuram atualmente um relacionamento, comparado com 54% dos homens.

Os homens também estão a mexer-se. Sim, porque “nem todos os homens tá” (couuf couuuf) : há um interesse crescente em masculinidade saudável, visível em pesquisas da Google e nas conversas sobre novas formas de ser homem. Esta transformação de ambos os lados — mulheres a aprender a amar menos, homens a repensar masculinidades — pode ser decisiva para o bem-estar relacional do nosso tempo.

Aliás, merece atenção que os próprios homens, vítimas de um sistema patriarcal e de papéis de género tóxicos, também precisam de rever as suas expectativas e redefinir limites. A dificuldade em expressar emoções revela-se aqui: por exemplo, aquele meme de que “os homens costumavam ir para a guerra” é uma narrativa profundamente tóxica, que legitima sofrimento como inevitável ou merecido.

Sobre isto, a autora do artigo escreve:

“Pergunto-me se o motivo pelo qual o artigo original tocou num nervo tão sensível não será a nossa obsessão pelo casal heterossexual — o que ele significa, e a forma como, durante tanto tempo, foi apresentado como aspiracional — que acaba por ocultar muitas das coisas desagradáveis que preferiríamos não enfrentar, sobretudo porque são demasiado complexas e difíceis de resolver de uma só vez.

Se simplesmente perguntar se “ter namorado” — outrora a coisa mais cobiçada e desejável — se tornou culturalmente embaraçoso provoca um debate global tão intenso, penso que é uma conversa que vale a pena ter, e continuar a ter. Talvez, do outro lado desta reação visceral, esteja um futuro em que os nossos relacionamentos românticos sejam fonte de alegria e libertação, em vez de divisão e cansaço.”

É interessante pensar que talvez este momento seja lido, numa aula de história do futuro, como o declínio do romantismo absoluto. O amor deixou de ser isento de política, passando a ser atravessado por desigualdade, cansaço e insatisfação coletiva.

As medidas do amor

Inevitavelmente, todos os caminhos nos últimos tempos parecem levar a este tema. No segundo episódio da Sexy Talk, convidei Flora Santo, jornalista e criadora da Vuyazi Magazine, para um episódio que chamamos: as medidas do amor.

Não foi uma conversa sobre regras ou fórmulas, mas sobre pesos e medidas:

  • perceber quando vale a pena investir mais ou menos;
  • refletir sobre a raiva justa que algumas mulheres sentem relativamente a certos comportamentos masculinos;
  • a inveja que vem de homens para mulheres
  • explorar a ideia de que, às vezes, é mais saudável gostar um pouco menos do parceiro do que ele de nós;
  • analisar como dinheiro e relações se entrelaçam, e como ele se tornou, para muitas mulheres, uma linguagem relacional que comunica valor, compromisso e autonomia.

O que torna esta discussão tão fascinante é que o amor e as relações, por serem profundamente políticas, podem também ser uma força para trazer mais humanidade aos tempos que vivemos. Quanto mais nos dedicarmos a pensar sobre o que sentimos, sobre os desequilíbrios que atravessam as nossas ligações e sobre o impacto que têm na vida de todos, mais podemos transformar o amor numa prática consciente, responsável e prazerosa para todes envolvides.

Talvez seja este o momento em que aprendemos, finalmente, a amar não apenas com desejo, mas com respeito — e a permitir que esse nos guie para relações mais justas, mais seguras, mais sexys e menos vergonhosas.

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