Entre o casual e o sério: por que mudamos as regras da honestidade sexual?

by | Mar 4, 2025

Era só mais um brunch entre amigas.

No menu, matcha lattes, cafés absurdamente caros e algumas conversas impróprias para lugares públicos, outras que acabam por deixar questões a ecoar na cabeça durante semanas.

 

honestidade sexualNesse meio termo, partilhei sobre um contactinho premium distante: Vimo-nos ao vivo duas vezes, mas nesse curto espaço de tempo, ele foi o parceiro ideal para explorar as minhas fantasias mais desajustadas — atos depravantes que renderiam sessões inteiras de psicanálise e dirty talks que garantiriam cancelamentos para as nossas reencarnações nos próximos milénios. Com ele, senti uma liberdade que nunca tive em relações sérias, por mais íntimas ou carinhosas que fossem.

A minha amiga que tinha acabado de começar a namorar quase berrou: Amigaaa, quando comecei a transar com o meu namorado já depois de oficiais, ele ficou chocado com o meu nível de safadeza. Disse que, mesmo tendo tido experiências kinky antes, isso só acontecia com mulheres com quem ele não tinha relações sérias.”

Era para ser só um brunch, mas saí dele a construir uma dissertação na minha cabeça sobre as possíveis razões pelas quais o amor e a safadeza andam, por vezes, de costas voltadas.

 

Mas afinal, o que torna tão complicado abrir o jogo sobre as nossas fantasias com a pessoa que nos imaginamos a envelhecer?

Especialmente quando falamos no contexto monogâmico, se esta é a única pessoa com a qual vou partilhar a minha sexualidade para o resto da minha vida, não deveria ser ela a pessoa a quem entrego a minha kinky bucket list para ter a certeza que é a pessoa certa, ao invés de correr o risco de só foder em missionário e de quatro até que morte nos separe?

Nada contra, mas se isto te soa aborrecido e fez sentido, acho que és uma das pessoas que, tal como eu, tem de ter isto em conta.

 

As expectativas e a necessidade de agradar: o bloqueio que ninguém pediu

Algo curioso acontece quando começamos a gostar de alguém a sério: perdemos a coragem e ganhamos um manual invisível de regras absurdas. E se achar estranho? E se não gostar? E se achar que eu não bato bem porque lhe pedi para fingir que sou outra pessoa enquanto me come? Ou se lhe pedir para fingir que é outra pessoa e levar isso para o pessoal? Parece que as expectativas entram pela porta e a autenticidade salta pela janela.

A verdade é que, quando começamos a criar uma expectativa de que uma relação pode ser algo sério, começamos a criar uma pressão invisível de querer agradar. Queremos ser desejades, aprovades, a versão idealizada de “parceire perfeite” sem bugs ou excentricidades que possam tornar uma potencial relação em mais uma história de ghost que contas com a conclusão de que pelo menos geraste entretenimento. E, ironicamente, quanto mais tentamos agradar, mais nos afastamos de quem realmente somos. Vamos moldando os nossos desejos ao que achamos que o outro espera, e não ao que realmente queremos.

Mas, no final do dia, de que vale agradar alguém que não está a conhecer o nosso verdadeiro eu? Talvez o problema esteja exatamente aí: em querer ser perfeito. Porque perfeição não é sexy, não é íntima e, definitivamente, não é verdadeira.

honestidade sexual

Oliveira, J. F. F. (2020). Uma claraboia erótica: As fantasias sexuais em jovens portugueses sob o reflexo do bem-estar psicológico (Dissertação de Mestrado).

 

O velho e real bicho-papão da liberdade sexual feminina: o machismo

Há algo profundamente enraizado – e irritantemente inevitável – na fantasia de ser o protótipo perfeito para o male gaze.

Sexy, sem ser escandalosa. Independente, mas nunca a ponto de ferir o ego masculino. Misteriosa, mas acessível. Jogamos esse jogo sem sequer perceber que estamos a ser treinadas para isso desde sempre.

E no fundo, a ideia da “mulher pura” ainda paira no ar. No outro dia li algo “como se a beleza das mulheres só fosse pura quando estas fingem não a possuir”, eu acredito que também se aplique à sexualidade feminina, que só aceitável quando nos fingimos tímidas em relação a ela, como se aquilo que dissemos antes de nos virmos, foi algo do momento e não uma imagem que passou na nossa cabeça diversas vezes enquanto nos masturbávamos.

É uma atualização do velho machismo, eles aceitam que nós tenhamos uma sexualidade, desde que não seja óbvia, ou que vá além do que o ego deles suporta. E o mais irónico? Muitos homens dizem que querem mulheres confiantes, ousadas, que saibam o que querem na cama. Mas só quando isso vem com um prazo de validade, com a ausência de laços emocionais.

Porque, na cabeça deles, a mulher que provoca os seus desejos mais profundos não pode ser a mesma que eles apresentam à família e amigos. No fundo, a ideia da mulher pura é um bloqueio que já passou da validade, mas que ainda assombra relações sérias, mantendo homens presos a medos antiquados e mulheres a censurar desejos.

 

E se der tudo no início? – O mito de “ficar sem nada para explorar”

Há quem tema esgotar o desejo ao explorar tudo logo no início de uma relação, mas o sexo não é algo finito — é um terreno sempre em expansão. Mesmo que fantasias e práticas ousadas sejam experimentadas cedo, podem ser revisitadas e transformadas com o tempo.

O BDSM, por exemplo, nunca se esgota: o que é intenso no início pode ganhar novas camadas com mais confiança e intimidade ao longo dos anos. O segredo está na curiosidade e na comunicação constante. Não é sobre guardar desejos, mas sim criar uma relação onde o prazer e a criatividade se renovam.

Porque o sexo, com criatividade, é um jogo que nunca acaba.

 

A conclusão é clara: ninguém deve moldar os próprios desejos para caber no aceitável do outro, nem tolerar parceiros que deixam o preconceito limitar a liberdade sexual. Fantasias não deveriam ameaçar respeito ou intimidade, mas sim fortalecê-los. O ideal é estar com alguém disposto a explorar sem julgamentos, entendendo que o desejo só perde a graça quando a autenticidade e a criatividade desaparecem. E, se essa pessoa não aparecer, há sempre espaço para se divertir com quem respeita a liberdade e o prazer pelo que realmente são.

 

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