Pinustri é um daqueles nomes que toda a gente conhece — mesmo quando não é dito em voz alta. Está nos comentários, nos tweets, nos reposts, nos vídeos que “ups, têm tea”. Sem estar no mainstream, molda a cultura digital portuguesa a partir das margens, com uma mistura explosiva de beleza, exposes, vulnerabilidade e opinião afiada. Ou pela forma como levanta questões difíceis sobre relacionamentos e poder na internet — a skin digital dela é à prova de bala.
É também uma das mulheres portuguesas mais temidas da internet — e, pessoalmente, acho que seja pelo melhor.
Num mundo onde quase tudo se publica para ser aprovado, a presença digital da Patrícia sempre foi sobre desconstruir essa fachada higienizada que chamamos de presença online. Em vez de agradar, ela incomoda. Em vez de embelezar, ela expõe. E, nesse gesto, talvez nos ensine algo sobre liberdade.
Com a série Pinustea, no YouTube — onde soma mais de 1,3 mil subscritores e vídeos com milhares de visualizações —, Patrícia Pinho abriu ainda mais a cortina da sua intimidade. Não só para contar segredos, mas para refletir sobre fama, tecnologia, relações de poder e feminismo no digital.
Nesta Sexy Talk, falamos sobre os novos valores que regem os relacionamentos, a traição por clout, a cultura de cancelamento e os desafios que as mulheres enfrentam online. Também mergulhámos num lado mais pessoal da Patrícia: os seus gostos, a visão sobre dating, os sonhos, a memória da mãe — e como tudo isso molda a forma como se relaciona.
Bem-vindes à Sexy Talk com Pinustri, Patrícia Pinho 💋
INSEGURANÇA SOCIAL: A busca por um parceiro que acrescente valor à nossa imagem social sempre existiu, mas as redes sociais tornaram esta lógica mais visível. Achas que atualmente a fama é mais aspiracional do que a riqueza? O que explica essa mudança de valores e como percebê-la na nossa relação?
PINUSTRI: Isto é uma questão bastante pertinente, mas também um pouco complexa. Penso que existe uma ideia errada acerca da fama, pelo menos em Portugal, e que ela acarreta sempre riqueza. Vemos os influencers, atores, cantores, apresentadores a gravar vídeos com grandes carros, a vestir alta costura, a viajar pelo mundo, e pensamos que se de alguma forma conseguirmos atingir esta fama teremos todo o conforto com que sempre sonhámos e teremos finalmente “vencido o capitalismo”. A verdade é que é de uma irresponsabilidade tremenda da parte destas pessoas ocultar a verdade de que são apenas cartazes ambulantes para as marcas que patrocinam isto tudo, e que no fundo elas estão muito mais perto do nosso estilo de vida do que do Central Cee.
INSEGURANÇA SOCIAL: E traição por clout achas que é uma cena? Tal como alguns relacionamentos podem ter motivações estratégicas, a traição também pode ser usada como um instrumento de visibilidade, principalmente para os homens?
PINUSTRI: Este é dos poucos assuntos em que tenho zero conhecimento. Nunca traí e nunca consegui perceber o raciocínio que levava alguém a trair por mais que tenha perguntado ou tentado descobrir. Mas para mim se uma relação é o sol, algo visível e estratégico, a traição é a lua, instintiva e crua. Consigo perceber como é que uma relação pública consegue ter clout como um grande motivador, mas não consigo conceber as mesmas motivações numa traição, sendo que é algo feito nas sombras, às escondidas, muitas vezes com vergonha. Sei que muitas pessoas traem para castigar e humilhar os parceiros (e amigues) publicamente, mas penso que seja motivado por algo muito mais antigo que clout — afirmar dominância e proteger o ego.
INSEGURANÇA SOCIAL: Achas que a cultura de cancelamento afeta de forma diferente homens e mulheres? (Se sim como?)
PINUSTRI: Sem sombra de dúvida, basta olhar para a carreira de vento em popa do Chris Brown, a brincadeira #freetorylanez, e o método de humilhação implementado pelo Johnny Depp no julgamento com a Amber Heard para vermos que agressão física contra uma mulher é vista como uma piada para a maioria das pessoas. Empiricamente, também consegui ver isso com as experiências que expus do meu ex namorado e das minhas exs amigas. O julgamento que ele recebeu foi apenas por ser cringe, não pelos atos de terror que ele implementa em todas as suas relações amorosas. Quando a piada morreu, pouco quiseram saber do sucedido, e aliás, passei a ser eu o centro da piada. E tal como em todos os outros aspetos na vida, a mulher é muito mais castigada por falhar aos standards que lhe são impostos do que o homem. Quando o drama envolve mulheres, gregos e troianos juntam-se para saber os podres e celebrar a sua queda, enquanto que com homens nem querem saber porque “já se esperava e todos sabíamos, mas também não é por isso que vou deixar de seguir e acompanhar…e sim é muito fora utilizar a fama para atrair fãs menores, mas estou mais interessada em saber o quão fúteis e burras são estas mulheres porque é mais divertido para gozar <3” e para mim não faz sentido nenhum.
INSEGURANÇA SOCIAL: E achas que também tem algum impacto em como as pessoas vivem os seus relacionamentos? (a cultura de cancelamento)
PINUSTRI: Eu diria que para um relacionamento entre pessoas normais isso não é uma preocupação. Entre pessoas que estão sob o olhar público penso que sim, mas não tenho experiência suficiente para poder opinar. Acho que a níveis mais rudimentares todos podemos ser “cancelados” no nosso meio por termos feito x ou y na nossa relação, mas no fundo nunca acaba por acontecer nada. As lealdades acabam por continuar para as pessoas com maior estatuto social no seu meio, independentemente dos seus atos.
INSEGURANÇA SOCIAL: A internet e a tecnologia têm mudado rapidamente a forma como nos relacionamos e expressamos-nos. Quais são, na tua opinião, as principais preocupações que as mulheres devem ter relativamente à tecnologia e ao digital? Como imaginas o futuro?
PINUSTRI: Oof. A internet e a tecnologia são uma caixa de pandora, contêm tudo para nos destruir mas no caminho talvez também para nos salvar. Para além de ser um instrumento para propagar violência de género e crimes sexuais, que é sempre um medo na vida de qualquer mulher, acaba por ser um microscópio para a verdade escondida nos pensamentos dos homens. Antes da internet era fácil romantizar o homem, misterioso e sofrido, que mesmo sendo ausente ou abusivo existia na mente feminina como um príncipe encantado, um salvador, um incompreendido, que nos amava incondicionalmente apesar de todas as provas em contrário. Claro, eram precisos anos até se conhecer realmente a pessoa em questão, e aí já era tarde demais porque se estava numa prisão quer de matrimónio ou de apego emocional. Agora as relações são muito mais efémeras também porque temos acesso a muito mais informação imediatamente — dá logo para ver se segue conteúdo pornográfico, contas fascistas, se dá repost no tiktok de conteúdo misógino. Poupa-se imenso tempo e dá um sentido de segurança, a meu ver, que não existia antes. Claro que isto é tudo muito mais direcionado à dating scene, porque noutros aspetos retira por completo a segurança, privacidade e autonomia da mulher. Mas ao aprofundar isso nunca mais saía daqui.
INSEGURANÇA SOCIAL: Qual é, para ti, o maior pet peeve da dating scene portuguesa? Consegues guardar coisas de ex’s depois de acabarem?
PINUSTRI: Acho que o que me faz mais confusão pelo menos na lisbolha é todos se conhecerem, até com a inclusão dos nómadas digitais existe sempre pelo menos uma pessoa em comum — o lado positivo disto é pelo menos ter referências do que evitar e do que ainda se aproveita. Coisas de exs consigo sempre aguardar porque adoro receber prendas e colecionar sweats e tshirts, desde que não seja um peluche com a cara da pessoa não vejo motivo para desperdiçar um bom presente.
INSEGURANÇA SOCIAL: Perder alguém tão próximo muda a nossa forma de amar e de nos ligarmos aos outros. De que maneira a perda da tua mãe impactou a tua intimidade?
PINUSTRI: É difícil perceber a que nível mudou realmente a maneira como me relaciono com os outros, ou se foi apenas um passo natural do meu crescimento emocional, porque ocorreu quando tinha 19 anos e ainda não tinha explorado muito as minhas conexões para além do meu namorado e amigos do secundário, e o meu grupo do twitter. Mas sinto muitas vez que “absorvi” a personalidade da minha mãe e que me tornei cada vez mais parecida com ela, que era um medo que o meu pai me incutia. Na minha adolescência era muito desapegada de tudo e todos, e acabei com o meu primeiro namorado numa tarde de Julho sem pestanejar nem deitar uma lágrima. As minhas relações após a morte da minha mãe foram extremamente diferentes, e eu não conseguia sequer pensar nos meus namorados a morrer ou abandonarem-me sem desatar a chorar. Comecei a ter muito medo de ser deixada, com quase tanta intensidade e sufoco como a minha mãe me fazia com as 18 chamadas e 36 mensagens sempre que eu me ausentava durante um par de horas. Acabava por muitas vezes ser eu a abandonar primeiro para não ser abandonada, mas sem conseguir ter firmeza na minha decisão e a criar situações bastante caóticas. Com o passar dos anos consegui fazer paz com esse medo e controlar as reações explosivas que quero ter quando o sinto, mas ele ainda tem um quarto de hóspedes dentro de mim. Sexualmente, oscilo muito entre hipersexualização e banalização de conexões físicas, e períodos de celibato em que me dá asco pensar em alguém tocar-me que não me ame. É complicado navegar estes polos opostos mas penso que sejam tão comuns com imensas mulheres que não se pode atribuir à perda da minha mãe, mesmo que seja um fator é redundante.
INSEGURANÇA SOCIAL: Descreve o teu casamento ideal e diz-nos duas coisas que não vão faltar:
PINUSTRI: Eu sempre sonhei com um casamento na floresta com vibes meio de elfo mas cada vez menos sinto que vá casar. Iria mesmo até ao limite com cabelo branco até aos joelhos e orelhas pontiagudas, um vestido Vera Wang de mangas compridas de bruxa, mas em branco cheio de cristais porque apesar de ser anti-tradicional nunca me iria casar de preto. O que não vai faltar: uma fonte de negroni, e um/a esposo/a completamente obcecado/a por mim que vai provar a sua confiança e devoção por mim no final da cerimónia quando eu atirar a faca do bolo na sua direção.
INSEGURANÇA SOCIAL: A peça de decoração mais sexy/erótica:
PINUSTRI: Sem querer parecer cringe, aura. Quando se tem uma aura magnética nem se repara na decoração. Mas se tivesse de escolher algo palpável diria qualquer acessório que chame atenção para o pescoço, quer sejam brincos compridos ou colares (sim, tenho ascendente em touro).
Não podia estar mais de acordo, sexy é ter aura!
Eu nunca retiraria Pinustri da minha dieta digital — nem penso fazê-lo. Na verdade, a sua nudez intelectual faz-me repensar o que é tóxico e o que é só humano.
O universo dela, mesmo tendo acesso apenas a uma janelinha pequena, faz-me querer passar lá uns dias. E espero que falte pouco para poder ter o seu livro na minha prateleira.
Até lá, contento-me com a sua voz — altamente aditiva — que tem em mim o mesmo efeito que o ASMR no TikTok e no YouTube.