Tudo sobre vingança amorosa

by | Mai 5, 2025

Um mutual de longa data enviou-me um post que dizia que a vingança era, na verdade, algo muito íntimo, que no caso do amor era quase um convite inevitável para nos envolvermos num estado de ultravulnerabilidade, o texto que se lia acabava com algo assim: “Agora olha para nós aos pedaços. Devíamos curtir.”

Esta era, oficialmente, uma das janelas digitais mais chocantes e inesperadas sobre as quais já me debrucei.

O meu amigo  ainda acrescentou que, apesar de não estar com isso a dizer que a vingança fosse um move saudável, neste contexto ela poderia surgir de um sítio “bom”, de um sítio de “amor”.

C-H-O-C-A-D-A, eu não conseguia discordar, mas a ideia de concordar também me deixava extremamente desconfortável. E por quê?

É que a minha primeira reação foi pensar “Quanta pobreza de espírito e quanta imaturidade pensar que vingança nos aproxima de uma maneira mais íntima de alguém.”E  BUM! Caí em mim: eu sempre me orgulhei de não ser uma pessoa vingativa (ahaha, olha para ela, senhora superior), mas depois desta partilha afiada entendi que, na verdade, eu sou uma vingativa silenciosa. Literalmente.

Eu removo a pessoa da minha realidade, fazendo-a — e a mim — acreditar que nunca fomos nada, e por isso os seus atos nunca poderiam ter um efeito real em mim. Tratamento de silêncio — como o meu pai fez comigo. Mas mais violento ainda, porque eu não fico de trombas. Aliás, faço questão de só mostrar que tou no meu prime, sabes tipo “ até me fazes um favor” kinda of vibes.

E isto é tão automático que eu nunca sequer pensei que fosse vingança. Pelo contrário, sempre achei que fosse um traço da minha personalidade (culpo as páginas de astrologia do IG piscianas malucas, divinas). A verdade é que este formato de provocar desconforto ou arrependimento no outro não exige nem a minha palavra, nem o meu tempo. O que me trouxe à pergunta chave dos próximos dias: Será que todas as vinganças precisam ser barulhentas?

Uma música de amor que fala sobre vingança.

Eram 11:00 e eu estava quase a terminar a minha corridinha matinal. Parada, né — porque só corro na passadeira.

Já naquele pico de dissociação em que a música se mistura com o batimento cardíaco e vira a voz da nossa cabeça, uma parte da letra tem um efeito particularmente motivador em mim: “vai ter que ver suas amigas me postando nos stories, vai-me ter no seu fone até quando você não quiser ouvir!” . Cringe o suficiente? Talvez dito em voz alta sim, mas eu sei que não sou a única que ganha serotonina com músicas que vingam uma ex-relação de forma tão sexy e catchy.

Até digo mais: um dos meus sonhos, quando era criança, era que uma dessas músicas fosse sobre mim, e modéstia a parte acredito que já consegui, e agora que escrevo, isso explica muitooo um certo padrão/tipo de homem que me atraia de mais ( cufcuf, artistas). Enfim, isto não é sobre mim, é sobre todes nós sermos um produto social e o quão misturada está a vingança romântica no nosso imaginário coletivo — e como fantasiar sobre ela, quando toca o amor, é quase automático. Isto não é só impressão minha:

Uma investigação de Bertolotti (2022) demonstrou que o ingrediente secreto da vingança pode, na verdade, ser o amor. Quer dizer: a oxitocina — sim, a hormona do amor e da ligação social — pode intensificar a propensão à vingança romântica quando nos sentimos traídos. Aquilo que nos conecta pode sim ser o maior alimento da vingança.

Ao ler um bocadinho mais sobre este tema a conclusão mais geral é de que mais do que retaliação, a vingança é uma linguagem. Uma maneira de comunicar dor profunda. Um sinal para dissuadir futuros ofensores de voltarem a magoar-nos. Esse impulso foi observado em praticamente todas as culturas — e até noutras espécies, como chimpanzés e elefantes, que também mostram tendências vingativas, até o meu gato se eu for de fim de semana fica frio comigo ele vinga-se da mesma maneira que eu; tratamento de silêncio. 

No amor, onde a intimidade emocional é tão profunda, a fantasia da vingança existe mesmo que não exista uma vingança propriamente dita. É que não se trata apenas de devolver o que nos fizeram, mas de nos provar que ainda somos dignos, desejáveis, até que ainda somos alguém que o outro não conhece.

Numa votação dos stories do Insegurança Social, em que perguntámos qual seria a principal motivação para a vingança no amor, 3% dos leitores respondeu que seria para dar uma lição ao outro, 17% disse causar ciúmes, 31% queria ficar na memória… e 49% afirmou que o objetivo seria recuperar a autoestima.

De facto, a vingança nem sempre é para o outro. Geralmente e felizmente ela é para nós. É como uma performance interna de poder que nos faz sentir nem que seja por um momento,superiores a uma rejeição ou da injustiça.

Vingança; vingança amorosa

Os bestsellers da vingança por amor

O ano era 1994, o mundo cheirava a verão porque era junho, e a Princesa Diana ainda não sabia que ia ao evento da Vanity Fair. Mas, após vários dias de publicidade sobre as revelações da infidelidade de Charles, ela aceitou o convite. Decidiu ir, acendeu um cigarro, pôs Rita Lee a tocar, derramou whisky no copo e despachou-se para se vestir para m#tar…

Ok, esta última descrição é totalmente ficcional, mas é o que eu, e acredito que o mundo todo, imaginou que teria acontecido antes de ser vislumbrada no evento. Ela tinha dito que não ia, mas apareceu com o seu mini-vestido preto de ombros à mostra, que se tornaria, a partir daí, não só um símbolo de moda, mas também um símbolo romântico: o famoso revenge dress.

Khloé Kardashian talvez seja a personificação moderna do revenge body. Em 2017, lançou um programa no canal E! com esse nome — Revenge Body with Khloé Kardashian — onde ajudava pessoas a transformar o corpo após experiências dolorosas, quase sempre ligadas a términos ou rejeições. A premissa? Usar a dor como combustível para uma metamorfose estética. Ela própria era o exemplo disso. Ao longo dos anos, Khloé mudou radicalmente o seu corpo — e, coincidência ou não, essa transformação acompanhou uma sequência de histórias de traição que mais pareciam filmes de terror. Quem não se lembra do episódio em que estava prestes a dar à luz, enquanto o pai da criança estava numa discoteca… a trair com uma amiga da irmã? TRAUMA COLETIVO!

Revenge bodies e revenge dresses, o que têm em comum? São ambos rituais populares de vingança amorosa — e juntam-se ao bestseller absoluto do género: o revenge sex.

Na caixa de partilhas anónimas que abrimos no Instagram do Insegurança Social, onde perguntámos “qual é a tua fantasia de vingança por amor?” ou “qual foi a maior que já puseste em prática?”, a maioria das respostas envolvia lençóis (e alguma dose de escândalo): “fodi o melhor amigo”, “comi um familiar”, “tive um threesome com alguém que ele odiava”… e por aí fora.

O problema deste, e de outras vinganças focadas em ferir o outro é o mesmo: é um petisco estranho. No início, sabe tão bem, tipo a coisa que tínhamos mais cravings, mas umas horas depois, vem a azia — uma mistura de arrependimento com um “já está, o que está feito, está feito. Hoje não janto e amanhã vou ao ginásio”. Há um prazer momentâneo, mas também uma ressaca emocional que não foi calculada. Emoções como culpa, vergonha ou arrependimento podem rapidamente neutralizar qualquer euforia. E, segundo David Chester, professor de Psicologia na Virginia Commonwealth University, este ciclo pode tornar-se vicioso — e até viciante: recompensa fácil, ressaca moral, e uma possível vontade de repetir tudo outra vez. E assim, de repente, tornamo-nos alguém que vinga com frequência, sem sequer perceber porque tem essa necessidade. 

No caso do revenge sex, isso pode significar não apenas consequências emocionais, mas também relações sexuais marcadas por frustração ou vazio.

O que era para ser libertador às vezes só vem pisar ainda mais a ferida. 

Vingança; vingança amorosa

Para além do sexo, dos vestidos justos e dos batidos proteicos: quando a vingança por amor passa a ser crime.

Sabem quando alguém publica uma foto super arrasadora no IG até um pouco fora do que é habitual, quando quase conseguimos adivinhar que algo deu errado na relação? O digital tornou-se um veículo perfeito para uma vingança de amor rápida e eficaz.

Tão rápido e eficaz que se tornou perfeito para abusers.

Quando, após o fim de uma relação, a outra pessoa decide partilhar fotografias íntimas que são só nossas, sem o nosso consentimento, para vingar os seus sentimentos e não só, de afetar negativamente a nossa reputação, a nossa saúde mental e a nossa sensação de segurança, a história é bem diferente da primeira né?

O popularmente chamado revenge porn é talvez a forma de “vingança” amorosa mais violenta e banalizada da era digital, e se ela parte da mesma premissa de querer castigar a pessoa que amamos, os seus resultados vão muito além do arrependimento por parte do outro. Aqui a violência multiplica-se originando situações de bullyingpublic shaming, extorsão, coação e, de uma maneira geral, abuso sexual.

Na verdade, a associação portuguesa Não Partilhes alerta para os perigos de nomear este tipo de crime como revenge porn/ pornografia de vingança ,uma vez que essa expressão sugere que a vítima teria cometido um dano anterior que justificaria uma retaliação — o que é completamente falso e injusto. Além disso, o uso do termo “pornografia” — associado a uma forma de entretenimento sexual consentido entre adultos — acaba por distorcer a natureza da agressão, insinuando que o conteúdo partilhado teria sido criado com esse fim, o que, mais uma vez, contribui para a culpabilização da vítima.

E já que estamos na parte mais sombria da dita vingança por amor, é preciso lembrar: se há alguém que não pode achar isto romântico, é a justiça. Porque muitas vezes estas vinganças acabam tratadas como atenuantes ou desculpas para crimes violentos. Como se a dor amorosa fosse uma licença para o descontrolo — e pior ainda, como se fosse compreensível.

Quantas vezes vemos penas absurdamente leves em casos de violência motivada por ciúme ou rejeição? Parece até que o próprio sistema judicial, inserido num contexto patriarcal, se torna cúmplice. Porque em vez de responsabilizar o agressor, procura-se explicações no íntimo da vítima — o que vestia, o que disse, com quem saiu, ou porque quis terminar. Se a justiça portuguesa fosse uma pessoa era um home branco rico, que se diz hetero mas na verdade é só homoafetivo, sorry not sorry.

Então a vingança por amor é boa ou má?

A vingança no amor é um terreno ambíguo. Por vezes, surge como um impulso visceral, uma tentativa de restaurar o equilíbrio emocional ou de afirmar a própria dignidade. Noutras ocasiões, manifesta-se como uma linguagem silenciosa, um gesto simbólico que comunica dor, perda ou resistência.

No seu lado mais inofensivo, é um gesto estético, um delírio de recuperação de controlo, uma corrida de 40 minutos na passadeira a ouvir Ebony e Duquesa. No seu lado mais toxico pode acabar connosco a ter de lidar com booty calls que nem queríamos.

A psicologia sugere que, quando centramos a vingança no outro, embora ela possa oferecer uma satisfação momentânea, frequentemente perpetua o sofrimento e impede a verdadeira cura emocional. Francis Bacon descreveu-a como uma forma de “justiça selvagem” que, ao ser exercida, pode substituir a justiça formal e perpetuar ciclos de retaliação.

Assim, talvez a questão não seja se existe uma vingança “boa” ou “má” no amor, mas sim se ela serve para nos libertar ou para nos aprisionar ainda mais ás feridas antigas. A mim parece-me que transformar a dor em crescimento pessoal, é o unico tipo de “ vingança” libertadora.

Vingança; vingança amorosa

 

Perceber que o erro do outro é do outro não é nosso e perdoar, sem permitir que a outra pessoa volte a ter poder sobre nós, pode ser o passo que melhor atende ao nosso auto-cuidado. Algo como:

“Lamento que isto tenha acontecido. Sei que não merecia e acredito que tenhas espaço para crescer no futuro. No hard feelings — desejo-te o melhor.”

Pode ser uma forma sexy de fechar a porta com firmeza, sem carregar o peso de um erro que não foi nosso.

É que admitindo que a vingança é uma linguagem — será que não conseguimos encontrar melhores formas de falar?

 

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